sábado, 11 de julho de 2009

Tradução: cursos, ferramentas e o nosso maltratado português

Artigo redigido como comentário ao texto publicado no blog Tradutor Profissional, do Danilo Nogueira, um velho amigo e colega de profissão.

Sou egresso do curso de tradução da UnB, onde me formei em 98. Um ano depois, passei lá quatro semestres como professor. Até hoje, minha mãe não se conforma que, o curso da UnB, à semelhança de tantos outros pelo Brasil afora, não aplique uma prova de habilidade específica para peneirar os candidatos e permitir que só faça o curso quem realmente está habilitado linguisticamente a fazê-lo. O problema é que, a maioria dos candidatos ficaria nessa peneira e, ao fim da seleção, não haveria candidato suficiente para preencher todas as vagas. O que ocorreria? Após alguns anos o MEC fecharia o curso por falta de demanda. É, de certa forma, uma questão de sobrevivência.

Mas aí o curso sobrevive com um material humano abaixo, bem abaixo, da média. Um material humano que força os professores a nivelar por baixo. Quantas vezes eu me vi em situações em que poderia ter dado uma aula mais puxada, mais aprofundada para o benefício de uma meia dúzia que teria condições de absorver o conteúdo. Mas e os outros 12 ou 15 alunos? Eu me lembro de alunos que cometiam os mesmos erros, erros básicos, coisa que me haviam ensinado quando fiz o meu concurso para o Colégio Militar em 82. Apesar dos comentários e correções do professor, passavam o semestre inteiro cometendo vários dos mesmos erros. Um ano e meio depois, no meu último semestre como professor, lá estavam alguns desses alunos numa turma minha. E adivinhem? Aqueles velhos erros não haviam ficado pelo caminho.

Infelizmente, essa é a realidade do ensino brasileiro. Não é apenas culpa do professor universitário. É culpa de todo o mundo: do aluno que não se interessa (há uns poucos que se interessam), do sistema educacional, que necessita de melhorias urgentes, e dos professores, que ficam sem saber o que fazer ao se deparar com falhas gritantes que deveriam ter sido corrigidas na série ou nível anterior. Fazer o quê? Uma reprovação em massa? Enquanto não melhorarmos a situação lá na nascente, a água vai continuar chegando cada vez mais turva na foz. Mas que fique bem claro, essa insuficiência é generalizada. Está difícil encontrar quem saiba português e matemática, o mais básico, em qualquer profissão.

Quanto ao pecado de formar profissionais da tradução sem ensinar a usar ferramentas de tradução assistida por computador, acho que não é bem por aí. Há tantas coisas que aqueles jovens precisam aprender antes de travarem contato com Trados ou DV. Muitos não sabem nem redigir direito. Sim, está cada vez mais difícil arranjar trabalho se você não usa ferramentas de tradução, mas não é impossível. Se o cara não faz uma boa tradução nem com papel e caneta, não vai ser o Trados que vai resolver os problemas dele. Para deixar bem claro, num mundo perfeito, um bom curso de tradução deveria ensinar o uso de ferramentas de tradução, mas o que temos hoje em dia nos cursos por aí está bem longe da perfeição. Só não vale depreciar as universidades e faculdades porque, repito, a culpa não é só delas.

É bom dar uma olhada no perfil de quem ensina nos cursos de tradução. Muitos dos professores não atuam como tradutores ou atuam num mercado bem distinto do nosso, do mercado da tradução comercial, dos clientes internacionais. São simplesmente pesquisadores, gostam da teoria ou até mesmo têm ojeriza à prática. Para eles ainda é possível ignorar essas ferramentas (mas não por muito tempo). Assim, não há como esperar que venham a falar sobre elas.

Vale ressaltar também o que os alunos procuram no curso. São poucos os que saem de um curso de tradução e vão efetivamente trabalhar como tradutores. Há muita gente formada em tradução dando aula de inglês. Muitos o fazem para se manterem enquanto a carreira de tradutor não engrena, mas há quem fique o resto da vida como professor. Outros seguem o rumo da pesquisa. Minha mulher, por exemplo, formou-se em tradução na UNESP Rio Preto, mas não quis saber de traduzir. Enveredou-se por um mestrado e um doutorado em áreas conexas à tradução, mas recusa-se peremptoriamente a traduzir. Sempre que tento convencê-la, já puxa uma estaca da gaveta e a aponta para o meu peito.

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