sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Contabilidade criativa

Deve-se admitir que a criatividade no trato das contas públicas no Brasil não vem de hoje. O tal do superávit primário, que não se vê em nenhum outro lugar do mundo, já existia no governo FHC. Agora, o que a equipe econômica atual vem fazendo é incrível. É dinheiro que o Tesouro empresta para o BNDES para comprar ativos aqui, injetar ali, emprestar acolá. E a dívida pública continua a mesma, segundo as autoridades. Daqui a pouco isto aqui vira a Argentina, cujas estatísticas e contas ninguém mais leva a sério.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Ideia de jerico

"A gente vai na noite anterior e espalha um monte de folhetos e santinhos nas imediações das seções eleitorais. No dia seguinte, o eleitor vai pegar um do chão e votar no nosso candidato. Não tem erro." Alguém conseguiu votar em uma seção eleitoral onde isso não ocorreu? Parece que não se dão conta de que vão sujar a cidade, entupir bueiros. Ora, qual é o problema? Ninguém é multado, não vão obrigar o candidato porcalhão a pagar pela limpeza. Fica por isso mesmo. Só em São Paulo, recolheram 170 toneladas de material de campanha das ruas. É o Brasil que me enche de orgulho!

sábado, 2 de outubro de 2010

O negócio é o viés

Antes que a minha mãe ou algum outro leitor reclame de eu ter escrito em inglês, segue uma tradução livre, bem livre.

Uma das principais manchetes no site da CNN hoje é “Ex-guerrilheira concorre à presidência no Brasil”. O link vai cair num artigo com o título “Ex-guerrilheira marxista concorre para ser a primeira presidente do Brasil”. Fico pensando que sensação uma frase como essa provoca ao norte do Rio Grande. Os americanos de direita podem até pensar: “Ai meu Deus, o Brasil vai virar uma Venezuela. Temos que fazer alguma coisa. Calma, o bicho não é tão feio quanto parece. É certo que a Dilma e o PT têm um quê de socialismo, o que é um eufemismo, mas os tempos são outros. O mais importante é que estou convicto de que existem pesos e contrapesos suficientes para evitar que eles transformem o país em algo que possa ser fonte de preocupação. A outra possibilidade é que a CNN estava apenas tentando atrair a atenção dos leitores. Alguma coisa como “Candidata do Lula rumo à vitória no Brasil” não teria surtido o mesmo efeito que o título escolhido, pois muitos dos americanos que apenas olham para o seu umbigo provavelmente pensariam, “Quem é esse tal de Lula? E daí?” Não, ainda acho que, mais do que qualquer outra coisa, foi viés mesmo.

It’s all about bias

One of the top stories on CNN's website today is “Ex-guerrilla vies for Brazil's presidency”. The link takes you to a story entitled “Former Marxist guerrilla vying to be Brazil's first female president.” It leaves me wondering what kind of feelings that provokes north of the Rio Grande. Right-wing Americans might even think, "Oh! My God, Brazil is turning into Venezuela. We have to do something about it!" Easy, that’s not as bad as it looks. Ms. Rousseff and her Workers’ Party certainly have a red, socialist tinge, to put it mildly, but times have changed. More importantly, I strongly believe there are enough checks and balances in place to keep them from turning the country into anything that could be cause for concern. The other possibility is that CNN just went for the attention grabber. Something in the vein of “Lula-groomed candidate poised to take victory in Brazil” would not have produced the same effect as the title they chose, as many navel-gazing Americans would likely go, "Who is Lula anyway? Who cares?" Nope, I still think it's more about bias than anything else.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Mas que lambança

Esta eleição vai entrar para a história, mas não propriamente pelos candidatos ou pelas campanhas que se viram até aqui. Para falar a verdade, fiquei meio decepcionado com o que vi, ou melhor, com o que não vi. Talvez o problema seja que a minha principal referência é a eleição de 1989, a primeira eleição direta desde aquele em que se elegeu Jânio Quadros. A de 1989 foi uma festa. Todos queriam mostrar que apoiavam este ou aquele candidato. Era bóton na roupa, bandeira para todo lado, adesivos nas janelas, nos carros. Vi muito pouco disso. Parece que o conformismo dominou a população. Claro, os meios hoje são outros. Muito da campanha passou para o Twitter, o Facebook, o email, mas, mesmo assim, Dilma já entrou praticamente vencedora e Serra e os demais já começaram meio que derrotados.

Mas eu dizia que esta eleição vai entrar para a história. É por causa da lambança que fizeram. Vamos às urnas no domingo sem sabermos ao certo de que documento precisaremos. A rigor, com a decisão de ontem do STF, basta levar um documento com foto; o título de eleitor, que muita gente ficou na fila para tirar na última hora, não vale nada. Mas e se um mesário desinformado resolve criar caso e não deixar um eleitor sem título votar? Isso vai dar confusão. O mais lamentável dessa história toda é que isso tudo não precisava ter ocorrido. Todos os partidos haviam concordado que o título e um documento com foto eram necessários. Mas aí o PT (e não é porque foi o PT, fosse quem fosse) se dá conta de que corre risco de perder votos e resolve entrar com aquela ação de inconstitucionalidade aos 45 do segundo tempo. Grande PT!

Mas a lambança não fica só aí. Votaremos no domingo, mas a decisão final poderá ser no tapetão, e o que é pior, do STF. O seu candidato pode ganhar, mas não levar. Se um candidato ficha suja for eleito e o STF decidir, sabe lá Deus quando, que a Lei da Ficha Limpa já vale a partir de agora, como é que fica aquele sistema louco do quociente eleitoral? A contagem seria toda alterada, imagino. Li há pouco que o TSE vai divulgar à parte os votos de quem teve a candidatura barrada por causa da nova lei. Por via das dúvidas, o melhor é só comemorar depois que o Supremo chegar a uma decisão. E o meu medo é que, na hora do desempate, já saberemos quem poderá ser beneficiado caso a lei passe a valer a partir deste pleito ou do próximo. Isso pode, por que não, influenciar a decisão. É esperar para ver.

O debate da Globo

Achei o debate morno, chato, anticlimático. Esperava um pouco mais, pois era o encerramento da campanha, a última chance de deixar sua marca e buscar uma virada ou consolidar a vitória. Está certo que o formato meio que engessa, mas faltou contundência. Plínio até que tentou atacar, mas ele mais diverte do que realmente impressiona. E suas ideias, como recorrer ao calote na dívida, são o fim da picada. Podem funcionar na cabeça dele, mas na vida real não. O Brasil e tantos outros países precisam se endividar porque o que arrecadam não cobre as despesas. Se você dá um calote, vai ficar mais caro para conseguir encontrar financiamento. Ora, não pegou emprestado? Então paga.

Quanto aos outros três, Dilma foi pouco ameaçada e mostrou-se atrapalhada na hora de falar. Mas não foi nada que lhe vá tirar votos no domingo. Serra falou bem, tentou mostrar sua experiência, mas não teve coragem de cutucar Dilma como deveria, sobretudo em vista da necessidade de arrancar-lhe votos para buscar um segundo turno. Marina foi um pouco mais incisiva, mas ficou aquém do que eu esperava. E no fim das contas, ninguém falou em Erenice Guerra, corrupção nos Correios, tráfico de influência na Casa Civil, censura à imprensa, loteamento de cargos no próximo governo. Foi prudência demais para o meu gosto.

Na verdade, o debate foi praticamente uma extensão do que se viu na campanha. Uma campanha para prefeito, como disse várias vezes a jornalista Lucia Hippolito. Foi construção de escola, de casa popular, compra de ambulância, bolsa-isso, bolsa-aquilo, coisas que ficariam melhores numa campanha municipal. Pouco se discutiram programas de governo. Temas macro, como política econômica e política externa, que se esperariam numa disputa presidencial, pouco apareceram. Mas isso é o que o Brasil comporta. Só dá para falar em coisas comezinhas senão nossa massa de semiletrados não consegue acompanhar e aí lá se vão os votos pelo ralo.