sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Mais uma da nossa equipe econômica

A febre do paciente está subindo. Vem o médico e, em vez de atacar as causas, sugere usar um termômetro que resulte numa leitura mais baixa. Lindo, não?! É o que Mantega quer fazer com essa história de tirar os preços dos alimentos e combustíveis do cômputo da inflação para mantê-la dentro da meta. Desse jeito, nossas contas e números ficarão como os da Argentina, sem a mínima credibilidade.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O Natal deles

Hoje se comemora nos Estados Unidos o Dia de Ação de Graças (Thanksgiving Day). Daqui a algumas horas, normalmente por volta das 17h, os americanos se sentarão à mesa para comer o chamado Thanksgiving Dinner. É, talvez, a festa mais importante para eles. Para mim, é como se fosse uma ceia de Natal. Ora, em que outra ocasião aqui no Brasil as famílias se reúnem em volta da mesa para se confraternizar e desfrutar de um belo peru?

Uma lembrança que guardo das quintas-feiras como a de hoje é a quantidade monstruosa de encartes das mais diversas lojas que vinham junto com o jornal. Neles, podia-se conferir todas as ofertas do comércio no dia seguinte. Era uma das diversões do dia, enquanto se esperava o jantar ficar pronto. E tome laptop, videogame, TV de tela plana com descontos de 50% ou mais. As ofertas eram realmente imperdíveis, mas o sujeito tinha que ter muita coragem para enfrentar o frio (por volta de zero grau) e a multidão enlouquecida, desesperada para comprar tudo o que via pela frente.

E a coisa não era fácil. Afinal de contas, para aproveitar as melhores ofertas era preciso chegar primeiro. As lojas normalmente abriam às 5h da matina e muitos acampavam na porta desde a noite anterior. Era gente que não acabava mais. Houve um ano, acho que 2008, quando um funcionário do Walmart morreu pisoteado pelo povão. O pior foi que ninguém interrompeu as compras, mesmo depois que circulou a notícia de que um funcionário havia morrido. Não justifica, mas é bom lembrar-se de que ir às compras é o esporte favorito do americano. O Black Friday é a final da Copa do Mundo para eles.

Mas que história é essa de Black Friday? Sexta-feira Negra? Talvez azul, mas negra não. Diz-se que, originalmente, a última sexta-feira de novembro foi assim batizada pelo Departamento de Polícia da Filadélfia porque aquele era o dia de mais congestionamento no trânsito e movimento nas ruas. Em outras palavras, um dia negro para quem tinha que tomar conta da população. Isso foi lá pelos anos 60, se não me engano. Anos depois, surgiu outra teoria. Chamavam de black porque era o dia em que muitos comerciantes conseguiam vender o suficiente para sair do vermelho. Enquanto aqui a gente usa a cor azul para representar números positivos, lá eles falam em preto. Mas vermelho é vermelho aqui e lá. E vendem muito mesmo. Eu me lembro de ter lido uma vez um artigo que mencionava que naquele dia entravam milhões e milhões de dólares só nos caixas do Walmart. Era uma cifra espantosa.

Interessante também foi ver nesses anos como os comerciantes e a vontade de comprar foram corroendo a tradição. Já há lojas que abrem na noite da quinta-feira. Você enche o bucho de peru, toma lá uma ou duas taças de vinho, pega o casaco e vai à luta atrás das melhores promoções. O comércio pela Internet tampouco deixa barato. As promoções começam já no início da semana. E nos últimos anos, crescem as vendas no que eles chamam de Cyber Monday. O raciocínio é que, ao voltar ao trabalho na segunda-feira, as pessoas vão sentar à frente do computador e aproveitar para fazer umas comprinhas pela Internet. E tome descontos para atrair o freguês. E isso é só o início da temporada de compras de fim de ano.

Nós, particularmente, nunca tivemos coragem de tentar pegar as ofertas da madrugada. Era muito trampo para pouco benefício. Normalmente, passávamos o olho nos encartes do jornal na noite anterior e tomávamos nota de uma ou outra promoção. Algumas iam até as 10h, até o meio-dia. Fazíamos um roteirozinho e saíamos depois do café, sem pressa. Nos últimos anos, eu ia sozinho ou deixávamos as crianças com alguém. Entrar numa Macy’s, por exemplo, num Black Friday, com duas crianças a tiracolo, é jogar pedra na cruz. As aglomerações e filas foram sempre enormes, mesmo em 2008 e 2009, com o fantasma da crise financeira à solta.

Mas o bom mesmo era o jantar, sobretudo na casa da Glaura, grande amiga e cozinheira de mão cheia. E tinha a pecan pie feita pelo Henrique, que era de primeira. Daria um dedinho do pé por uma torta daquelas. Algumas vezes o jantar foi lá em casa. Apesar de brasileiros, não havia motivo para não seguirmos a tradição local. Neste ano, para a data não passar em branco, vamos fazer um Thanksgiving Dinner na casa de amigos americanos, aqui na cidade mesmo. Não vai ser hoje, mas sim no domingo. Ora, vocês queriam o quê? Quinta-feira, aqui em terras tupiniquins, é dia de trabalho.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Terrorismo

Quando vim embora dos Estados Unidos no começo do ano, umas pessoas me felicitaram e me disseram mais ou menos o seguinte:

"Que bom que você veio de lá. Aqui no Brasil, pelo menos, não tem terrorismo."

Olha, se o que está ocorrendo no Rio não é terrorismo, devo ter desaprendido o significado da palavra.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Não tem problema, ninguém está vendo...

Hoje de tarde, estava eu lá na Avenida Bady Bassit (sim, em São José do Rio Preto), por volta das 15h, quando passou um Toyota Corolla. A rua estava praticamente deserta, não havia ninguém vendo, então o motorista achou que não haveria problema algum em jogar pela janela uma garrafa de refrigerante daquelas de 600 ml. A garrafa caprichosamente quicou, rolou e entrou por um bueiro. Falta de civilidade, de consciência. Depois vai ser o primeiro a reclamar quando vierem as chuvas de verão e a rua ficar alagada, intransitável. Se há justiça neste mundo, a Bady vai alagar quando aquele Corolla estiver passando por lá. Vai entrar água no carro, estragar o estofamento... E, desesperado, o motorista nem se lembrará da garrafa atirada pela janela naquele 15 de novembro.

Isso me fez lembrar de uma vez em que vi a mãe de um amigo, uma dona chique, moradora de uma bela mansão no Lago (não digo qual), jogar lixo pela janela enquanto o motorista contornava o balão da 102 Sul, da Rua das Farmácias. Nunca mais olhei para aquela senhora do mesmo jeito. Que gentalha! Como diria a minha avó materna, analfabeta porém arguta como poucos, "quanto mais rico, mais ridículo".

Tropa de Elite 2

Ontem, finalmente, pude assistir a Tropa de Elite 2. É um filmaço! Achei melhor do que o primeiro, mais maduro e, acima de tudo, o considero mais um filme político do que simplesmente um filme de ou sobre violência. Mas não será um filme fácil de ser digerido pelos gringos, que, por não conhecerem bem o Brasil, provavelmente o encararão apenas como mais um filme de "polícia e ladrão". Não tem nada a ver com a violência mostrada, por exemplo, nos filmes do Tarantino. E, apesar de ser uma obra de ficção, muito do que o filme apresenta reflete a nossa realidade. Isso talvez seja o que ele tem de melhor e mais contundente.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O que é fabuloso para você?

Há poucos dias, encontrei em duas redes sociais na Internet uma referência a uma entrevista sobre a nossa profissão, concedida por uma colega tradutora a uma rádio dos Estados Unidos. A pessoa que fazia a referência, também do nosso meio, havia usado dois adjetivos em inglês: fabulous e outstanding. Fiquei imaginando do que poderia tratar essa entrevista para merecer esses elogios. Bom, fui logo
ouvi-la. Confesso que não fiquei tão impressionado quanto a colega.
A entrevista era curta, tinha um trocadilho bem interessante (fowl e foul), chamava a atenção para alguns aspectos pitorescos do nosso métier, mas classificá-la como excelente e fabulosa era de certa forma um exagero.

Naquele mesmo dia, reparei que a colega que havia elogiado a entrevista e uma outra colega, ambas residentes nos EUA, haviam comentado sobre o último Congresso da Associação Americana de Tradutores, realizado na semana passada, em Denver. Ambos opinaram que o congresso havia sido “fabulous” (de novo?!). Concordo que esses congressos são sempre muito proveitosos. Você tem a chance de conhecer novos clientes, fazer novas amizades, assistir a uma ou outra palestra interessante e sentar com um colega, com quem só tem contato por email, para almoçar ou tomar um vinho, mas a coisa não vai muito além disso. Eu não chamaria de fabuloso nem o encontro da ABRAPT na UFMG, em 2001, ocasião que conheci a Érica, minha mulher e mãe dos meus dois filhos.

Isso tudo me fez lembrar de algo que eu havia reparado durante o período em que morei nos Estados Unidos. Os americanos tinham lá certa queda por pecar pelo exagero ao usar os adjetivos. Alguém pode argumentar que gente deslumbrada existe em tudo que é canto, mas a frequência com que eu via esse deslumbre era maior lá. Comecei a perceber que, o que aos meus olhos parecia um exagero era também uma marca do discurso deles. Uma vez, por exemplo, na escola da Clarissa, houve uma apresentação em que as crianças da primeira e segunda série cantaram duas canções tradicionais, acompanhadas pela professora, que tocava piano. Ao fim da apresentação, um dos pais, conhecido nosso, exclamou: “that was amazing”. Amazing?! Tudo bem, eram as nossas filhas lá no palco, haviam cantado direitinho, bonitinho, mas achar aquilo espantoso era demais. Eu provavelmente soltaria um “that was great”, que ficaria de muito bom tamanho. Mas isso sou eu, falante nativo de português.

O leitor deve estar se perguntando por que o chato aqui fica prestando atenção no que os outros falam e pegando no pé das pessoas. Não é (só) chatice. Digamos que é também um exercício linguístico. Quando me deparo com uma frase, uma expressão, uma palavra, me pergunto o que eu faria se tivesse de traduzi-la. Para mim, traduzir é, acima de tudo, dizer na língua de chegada o que um falante dessa língua diria caso se encontrasse na mesma situação em que se encontra o falante da língua de partida, procurando causar o mínimo de estranhamento possível. Mas aí, alguns poderiam argumentar, eu deixaria de trazer traços da cultura alheia para a cultura da língua de chegada. Alguma coisa se perde, é inevitável. Que caminho tomar? Respeitar a marca do discurso e manter o exagero, correndo o risco de causar espécie ao leitor, que poderia até achar que o tradutor errou na mão, ou simplesmente modular o texto e optar por uma solução mais inócua. Nos dois casos, das tradutoras e do pai, eu provavelmente manteria o exagero, o deslumbre, mas eis um caso em que a modulação é obrigatória.

No ano passado, eu estava assistindo a uma aula de duas professoras sobre interpretação (community interpreting, para ser mais preciso, coisa comum nos EUA, mas praticamente inexistente aqui no Brasil). Em dado momento, uma delas fez um comentário. Em seguida, a outra disse o seguinte: “I’m so glad you made that comment”. Gente, o que terá dito a primeira que proporcionou tanto prazer, tanta alegria, à colega? Não me lembro mais do comentário, mas não me esqueço de que o semblante da segunda professora não mudou absolutamente nada. Não houve essa alegria que as palavras dela poderiam levar um tradutor incauto a imaginar. Mesmo sem saber desse detalhe, um bom tradutor teria modulado a frase e escrito algo como, “que bom que você fez esse comentário”.

Para encerrar, acho que vale a pena prestarmos atenção ao nosso discurso e medirmos nossas palavras. Quando mal usadas ou usadas em excesso, as palavras perdem a sua força. Para eu me referir a algo como fabuloso, ele tem que realmente ser fabuloso. Para fazer um trocadilho, caso pudéssemos voltar no tempo, ver um show dos Beatles, The Fab Four, seria algo fabuloso. Ou então o que li hoje no Estadão, no caderno Cidades. Em São Paulo, existe um grupo de balé formado majoritariamente por meninas cegas. A Associação de Ballet e Artes para Cegos Fernanda Bianchini é o único grupo de balé clássico profissional de deficientes visuais no mundo. Isso, sim, é fabuloso. E para quem quiser ver as meninas em ação, ao vivo, elas se apresentam hoje à noite, às 20h30, no Teatro Ítalo-brasileiro, na Avenida João Dias, 2046.

E tome dólar...

Com a taxa de juros já no chão, só resta às autoridades americanas aumentar a liquidez da economia. É isso ou enfrentar uma nova recessão, coisa que ninguém no mundo gostaria de ver. Agora, com essa injeção de US$ 600 bilhões nos próximos meses, quero ver qual é o coelho que o Mantega vai tirar da cartola para conter a subida do real. Não vai ter elevação do IOF que chegue. Mas não vão pensando que torço contra. Quero mais é que o dólar suba mesmo.