sexta-feira, 27 de março de 2020

Tradução, emoção


Quarentena, confinamento, mas, graças ao bom Deus, tenho trabalhado, ao que sou imensamente grato. Muita gente pelo mundo afora gostaria de estar trabalhando neste momento. Hoje, porém, está mais difícil.

Acabei de escrever (traduzir) algo mais ou menos assim:

O custo humano da tragédia já é assustador e o desafio que as autoridades europeias enfrentam agora para fazer face aos custos sociais e econômicos da crise não encontra precedentes em tempos de paz.

Me deu até um negócio.

Já não sei ao certo quantos textos sobre o coronavírus já traduzi, perto de 10, mas é palpável como eles vêm ficando mais pesados.

Não é fácil traduzir com lágrimas nos olhos. Não é. Não é a primeira vez, mas a segunda. Daquela vez, um projeto sobre violência de gênero, com a narrativa de casos reais, consegui me aguentar. A emoção só transbordou no fim, após o derradeiro ponto final.

Hoje, ainda estou no meio da tradução. O show tem que continuar. Quanto às lágrimas, são de tristeza por tudo isso à nossa volta, pelo porvir, que, decerto será ainda pior. E as lágrimas também são de raiva por termos um boçal, um debochado, um sujeito que não tem o mínimo cacoete de chefe de Estado no comando de uma luta que marcará uma geração inteira. Misericórdia!



quarta-feira, 25 de março de 2020

Quem tem razão?


Ontem foi aniversário da minha mãe. Dona Jô fez 84 anos. Ela me legou muitos ensinamentos, que guardo até hoje e me são úteis. Um dos mais importantes, mas que, na minha teimosia, levei muito tempo para entender e aceitar, foi que você pode até ter razão, mas a perde quando levanta a voz, insulta, agride, briga. Infelizmente, muita gente não percebe isso, como nosso presidente.

Bolsonaro tem razão ao se preocupar com a economia do País em meio a esta gravíssima crise sanitária. A forte desaceleração da atividade vai, sim, causar problemas socioeconômicos sérios — um processo que já começou — e pode até mesmo provocar uma convulsão social, causando mais sofrimento e mais mortes. Contudo, o presidente perde a razão ao, como fez no pronunciamento de ontem, sair da linha mais uma vez e atacar. Não é desse jeito que ele vai conseguir que sua ideia seja abraçada pela população.

Para piorar, Bolsonaro está se isolando cada vez mais. É atrito com o Legislativo e o Judiciário, inimigos desde o começo do mandato. São farpas constantes dirigidas à imprensa, de quem não deveria esperar nada além de críticas, pois imprensa é oposição, como dizia sabiamente o Millôr. É bate-boca com os governadores, que ao tomar decisões próprias mostram que já não veem mais em Bolsonaro um presidente capaz de exercer o comando no enfrentamento da crise. Acima de tudo, é a oposição que o presidente faz ao próprio governo, ao defender uma linha contrária às ações e recomendações de seus ministros, sobretudo o da Saúde. Fico me perguntando por que presidente e ministros não alinham o discurso e as ações antes de ir a público.

Sinto falta de alguém que consiga moderar o comportamento de Bolsonaro. Existe alguém que lê esses pronunciamentos antes da hora e pode aconselhar ao presidente que não carregue tanto nas tintas? Quem ele escuta além do Olavo, de seus filhos, essa gente tão ou mais raivosa do que ele? Quem no governo ou fora dele poderia frear esse ímpeto descontrolado? Isso tudo seria uma aposta política? Se (ou quando) o futuro que Bolsonaro vislumbra se concretizar, com todas as suas consequências negativas, o presidente poderá dizer que ninguém lhe deu ouvido e tomar as medidas que bem entenda. Por ora, porém, os números crescentes de mortos e de casos no Brasil e em várias partes do mundo, combinados com as evidências científicas e as recomendações dos profissionais da área de saúde, tornam essa aposta muito arriscada.

Claro, não podemos perder de vista que a tarefa que Bolsonaro tem pela frente é das mais árduas, ou melhor, a mais árdua: um choque duplo, a tempestade perfeita, uma escolha de Sofia. O cobertor é curto e, por isso, não será possível resolver todos os problemas. Será preciso encontrar um dificílimo equilíbrio entre as medidas para fazer frente à pandemia e as políticas para atenuar a recessão, quiçá, a depressão que vem por aí. Mas não vai ser com desunião que vamos vencer essa guerra.

Uma mudança de tom não vai resolver nossa crise, mas seria extremamente bem-vinda e um bom começo. Aproveitando que a Dona Jô está pertinho, a menos de 10 minutos de carro do Palácio do Planalto, sugiro a Bolsonaro que, se realmente não está contaminado com o coronavírus, do que ninguém tem certeza, vá lá visitar minha mãe e ouvi-la um pouquinho. Ela teria uns bons conselhos para ele. Até hoje, as palavras me ecoam na cabeça: “Não é o que você fala, mas a maneira como você fala.” Sábia Dona Jô!




quarta-feira, 11 de março de 2020

Quarenta e nove


Depois de um dia cansativo, em que resolvi coisas que pai tem que resolver na rua, traduzi um tanto sobre o coronavírus e seus efeitos sobre a economia mundial e continuei a revisar um artigo científico, onde eu acharia ânimo e inspiração para escrever? Escrever? Sim, neste 2020, uma das minhas pretensões era tornar a escrever. Pois ontem resolvi que escreveria alguma coisa pela passagem deste 11 de março. Data melhor não haveria. Ora, completo 49 anos de vida e fecho a última volta dos 40. Um bom momento para refletir e, por que não, aproveitar para pôr umas palavras no papel ou, como queiram, na tela.

Quando jovem, não pensava muito em como eu estaria aos 49. Velho, já com filhos, provavelmente. Bom, os filhos aí estão, mas não me sinto velho. Decerto, os que estão mais à frente na sua caminhada dirão que ainda estou um garoto, enquanto os mais novos e, claro, meus detratores (sempre os há) dirão que já estou velho. Pois não me sinto um homem de 49, não mesmo. Decerto as dores e achaques da idade me fazem lembrar de que garoto já não sou mais, porém ainda sinto que tenho energia para fazer muita coisa.

Ontem, na conversa com minha terapeuta, comentei que essa idade é um marco importante para mim. Sim, estou, mais do que nunca, às portas dos 50, mas a questão é outra. Lembrei que 49 anos era a idade que tinha meu pai quando faleceu. Mil coisas me passam pela cabeça, chego a me comparar com ele, o que é injusto. Ele foi longe para um homem que enfrentou uma vida dura e conviveu com uma implacável anemia falciforme. Apesar dos pesares, gozo de muito boa saúde e tenho me cuidado para ir bem mais longe, por mim e pelos que estão à minha volta.

Mas e a festa? Na verdade, já houve uma pré-comemoração no dia 26/2 e vou terminar de comemorar neste fim de semana. Não sou dado a festanças em datas como esta. Não me lembro da última que organizei. Prefiro uma coisa mais petit comité. E esta quarta vai ser um dia como outro qualquer, gente. É dia útil. Tenho trabalho na minha mesa me esperando, pelo que sou imensamente grato. Tenho lido e ouvido que muitos colegas estão com menos trabalho do que o habitual por causa do coronavírus e por uma ou outra trapalhada que certas pessoas andam aprontando por aí. Por essas e outras, não vai ser hoje que vou parar. Claro, vou ver as pessoas que amo, pelo menos as que estão próximas, cortar um bolinho, cantar um parabéns, já está ótimo. E se tudo der certo, vou para a cama feliz com mais um triunfo do meu Flamengo.

Mas como estou ao iniciar meu quinquagésimo ano de vida? Após um 2019 de muitos sobressaltos, estou bem, estou feliz. Continuo devotando muito do meu tempo ao trabalho, pois quem me conhece sabe que é o que me define, que me preenche, que me mantém vivo. Contudo, tenho procurado cuidar mais de mim, da saúde, tanto física como mental, e tenho buscado dedicar um pouco mais de tempo às coisas que me dão prazer, como a leitura, a música. E vou voltar a estudar. Tradução? De jeito algum. É coisa que tem mais a ver com paixão, com algo que sempre gostei de fazer e que agora resolvi aprender a fazer direito. Tem a ver com amar, como diria Mia Couto. Vai ser um desafio, mas estou disposto a encará-lo.

E falando em amar, tens cuidado do coração, João Vicente, perguntará um ou outro. Sim, claro. Não posso me descuidar dele. O segredo é

Ginástica, ora, que ele agradece;
Serenidade para aceitar o que não consigo mudar; e, claro,
Leveza, pois chega de carregar coisas pesadas.

Até os 50!