quarta-feira, 25 de março de 2020

Quem tem razão?


Ontem foi aniversário da minha mãe. Dona Jô fez 84 anos. Ela me legou muitos ensinamentos, que guardo até hoje e me são úteis. Um dos mais importantes, mas que, na minha teimosia, levei muito tempo para entender e aceitar, foi que você pode até ter razão, mas a perde quando levanta a voz, insulta, agride, briga. Infelizmente, muita gente não percebe isso, como nosso presidente.

Bolsonaro tem razão ao se preocupar com a economia do País em meio a esta gravíssima crise sanitária. A forte desaceleração da atividade vai, sim, causar problemas socioeconômicos sérios — um processo que já começou — e pode até mesmo provocar uma convulsão social, causando mais sofrimento e mais mortes. Contudo, o presidente perde a razão ao, como fez no pronunciamento de ontem, sair da linha mais uma vez e atacar. Não é desse jeito que ele vai conseguir que sua ideia seja abraçada pela população.

Para piorar, Bolsonaro está se isolando cada vez mais. É atrito com o Legislativo e o Judiciário, inimigos desde o começo do mandato. São farpas constantes dirigidas à imprensa, de quem não deveria esperar nada além de críticas, pois imprensa é oposição, como dizia sabiamente o Millôr. É bate-boca com os governadores, que ao tomar decisões próprias mostram que já não veem mais em Bolsonaro um presidente capaz de exercer o comando no enfrentamento da crise. Acima de tudo, é a oposição que o presidente faz ao próprio governo, ao defender uma linha contrária às ações e recomendações de seus ministros, sobretudo o da Saúde. Fico me perguntando por que presidente e ministros não alinham o discurso e as ações antes de ir a público.

Sinto falta de alguém que consiga moderar o comportamento de Bolsonaro. Existe alguém que lê esses pronunciamentos antes da hora e pode aconselhar ao presidente que não carregue tanto nas tintas? Quem ele escuta além do Olavo, de seus filhos, essa gente tão ou mais raivosa do que ele? Quem no governo ou fora dele poderia frear esse ímpeto descontrolado? Isso tudo seria uma aposta política? Se (ou quando) o futuro que Bolsonaro vislumbra se concretizar, com todas as suas consequências negativas, o presidente poderá dizer que ninguém lhe deu ouvido e tomar as medidas que bem entenda. Por ora, porém, os números crescentes de mortos e de casos no Brasil e em várias partes do mundo, combinados com as evidências científicas e as recomendações dos profissionais da área de saúde, tornam essa aposta muito arriscada.

Claro, não podemos perder de vista que a tarefa que Bolsonaro tem pela frente é das mais árduas, ou melhor, a mais árdua: um choque duplo, a tempestade perfeita, uma escolha de Sofia. O cobertor é curto e, por isso, não será possível resolver todos os problemas. Será preciso encontrar um dificílimo equilíbrio entre as medidas para fazer frente à pandemia e as políticas para atenuar a recessão, quiçá, a depressão que vem por aí. Mas não vai ser com desunião que vamos vencer essa guerra.

Uma mudança de tom não vai resolver nossa crise, mas seria extremamente bem-vinda e um bom começo. Aproveitando que a Dona Jô está pertinho, a menos de 10 minutos de carro do Palácio do Planalto, sugiro a Bolsonaro que, se realmente não está contaminado com o coronavírus, do que ninguém tem certeza, vá lá visitar minha mãe e ouvi-la um pouquinho. Ela teria uns bons conselhos para ele. Até hoje, as palavras me ecoam na cabeça: “Não é o que você fala, mas a maneira como você fala.” Sábia Dona Jô!




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