Ontem foi aniversário da minha mãe. Dona Jô fez 84 anos. Ela
me legou muitos ensinamentos, que guardo até hoje e me são úteis. Um dos mais
importantes, mas que, na minha teimosia, levei muito tempo para entender e
aceitar, foi que você pode até ter razão, mas a perde quando levanta a voz, insulta,
agride, briga. Infelizmente, muita gente não percebe isso, como nosso presidente.
Bolsonaro tem razão ao se preocupar com a economia do País
em meio a esta gravíssima crise sanitária. A forte desaceleração da atividade vai,
sim, causar problemas socioeconômicos sérios — um processo que já começou — e pode
até mesmo provocar uma convulsão social, causando mais sofrimento e mais mortes.
Contudo, o presidente perde a razão ao, como fez no pronunciamento de ontem, sair
da linha mais uma vez e atacar. Não é desse jeito que ele vai conseguir que sua
ideia seja abraçada pela população.
Para piorar, Bolsonaro está se isolando cada vez mais. É atrito
com o Legislativo e o Judiciário, inimigos desde o começo do mandato. São farpas
constantes dirigidas à imprensa, de quem não deveria esperar nada além de
críticas, pois imprensa é oposição, como dizia sabiamente o Millôr. É bate-boca
com os governadores, que ao tomar decisões próprias mostram que já não veem
mais em Bolsonaro um presidente capaz de exercer o comando no enfrentamento da
crise. Acima de tudo, é a oposição que o presidente faz ao próprio governo, ao defender
uma linha contrária às ações e recomendações de seus ministros, sobretudo o da
Saúde. Fico me perguntando por que presidente e ministros não alinham o
discurso e as ações antes de ir a público.
Sinto falta de alguém que consiga moderar o comportamento de
Bolsonaro. Existe alguém que lê esses pronunciamentos antes da hora e pode
aconselhar ao presidente que não carregue tanto nas tintas? Quem ele escuta
além do Olavo, de seus filhos, essa gente tão ou mais raivosa do que ele? Quem
no governo ou fora dele poderia frear esse ímpeto descontrolado? Isso tudo seria
uma aposta política? Se (ou quando) o futuro que Bolsonaro vislumbra se
concretizar, com todas as suas consequências negativas, o presidente poderá
dizer que ninguém lhe deu ouvido e tomar as medidas que bem entenda. Por ora,
porém, os números crescentes de mortos e de casos no Brasil e em várias partes
do mundo, combinados com as evidências científicas e as recomendações dos
profissionais da área de saúde, tornam essa aposta muito arriscada.
Claro, não podemos perder de vista que a tarefa que Bolsonaro
tem pela frente é das mais árduas, ou melhor, a mais árdua: um choque duplo, a
tempestade perfeita, uma escolha de Sofia. O cobertor é curto e, por isso, não
será possível resolver todos os problemas. Será preciso encontrar um dificílimo
equilíbrio entre as medidas para fazer frente à pandemia e as políticas para
atenuar a recessão, quiçá, a depressão que vem por aí. Mas não vai ser com
desunião que vamos vencer essa guerra.
Uma mudança de tom não vai resolver nossa crise, mas seria
extremamente bem-vinda e um bom começo. Aproveitando que a Dona Jô está
pertinho, a menos de 10 minutos de carro do Palácio do Planalto, sugiro a
Bolsonaro que, se realmente não está contaminado com o coronavírus, do que
ninguém tem certeza, vá lá visitar minha mãe e ouvi-la um pouquinho. Ela teria
uns bons conselhos para ele. Até hoje, as palavras me ecoam na cabeça: “Não é o
que você fala, mas a maneira como você fala.” Sábia Dona Jô!
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