quinta-feira, 12 de junho de 2014

A Copa e o tradutor

Corria o ano de 1998. Era a época da privatização das teles. Haviam montado no setor hoteleiro de Brasília, no prédio da Embratel, os chamados data rooms. Lá, as empresas interessadas em participar do leilão tinham acesso a todas as informações sobre as teles a serem vendidas. Só tinha um detalhe: nem uma folha poderia sair de lá. Então, acotovelavam-se advogados, contadores, intérpretes e tradutores para examinar tudo e depois dizer às respectivas matrizes no estrangeiro se o negócio era bom ou não. Uma colega de São Paulo me avisou que uma agência do Rio estava montando uma equipe para trabalhar lá. Eu me candidatei e entrei. Era o começo de uma aventura.

Nesse meio tempo, vivíamos a expectativa da Copa da França. O Brasil faria a partida de abertura do torneio contra a Escócia. No dia, fomos lá conversar com o nosso “feitor” para saber a que horas ele nos liberaria para irmos ver o jogo. O sujeito era americano, não fazia a mínima ideia da importância da ocasião e disse que ninguém sairia para ver jogo algum. Depois de muita conversa, conseguimos que ele nos deixasse sair uma hora antes da partida… mas com a condição de retornarmos uma hora depois do apito final. Melhor do que nada. Eu nem imaginava o trânsito que pegaria para chegar à casa da minha cunhada no Lago Sul. Parte da Avenida das Nações era estreitinha naquela época, não era como é hoje. Foi uma correria louca, quase não chego. Mas tudo bem: vitória do Brasil por 2 x 1 e lá foi todo o mundo comemorar enquanto eu, resignado, voltava ao trabalho.

E prosseguiram a Copa e as traduções nos data rooms. Era dureza, mas tive a felicidade de fazer amizade com um advogado de um grande escritório e isso logo me rendeu frutos. Na última semana da primeira fase, esse advogado me disse que tinha muito serviço de tradução e me perguntou se eu não queria dar uma passada lá no escritório deles para dar cabo disso. Ora se não! No sábado das quartas de final contra o Chile, lá fomos nós. Nós? Sim, eu, de camisa do Brasil (contrariando a recomendação de usar terno e gravata ao visitar um cliente) e um grande parceiro de muitos trabalhos na faculdade, muitas latas de marrom glacê e muitas sessões de Need for Speed antes de trabalhar. Saímos de lá carregados, com serviço para o resto da Copa.

Chegando em casa, transferi meu escritório para a sala, onde estava o TV grande que eu e minha mãe havíamos comprado quatro anos antes para ver o tetra. Computador na mesa de jantar e pau na máquina. Naquela tarde, enquanto trabalhava, vi o Brasil de Ronaldo e Rivaldo atropelar o Chile de Zamorano e Salas. Mas eu não tinha ideia do que estava por vir. Adoeci, peguei o maldito rotavírus. Foi um sofrimento só. Sofria com a Seleção (aquele jogo com a Holanda!), com o trabalho e com as dores no corpo, o febrão e as constantes idas ao banheiro (quem já teve sabe do suplício). As idas foram tantas que tive de comprar até uma boia, daquelas redondas com um buraco no meio, para poder sentar e trabalhar. O show não podia parar.

E veio a final. Acho que o fato de estar tão envolvido com o trabalho acabou sendo positivo. Estava tão lesado que não dei tanta bola para aquele acachapante 3 x 0. Felizmente, estava terminando o serviço e, no dia seguinte, viajaria para esquecer aquilo tudo. Foi uma batalha, mas consegui juntar dinheiro suficiente para dar um giro em Nova Iorque, com direito a Robert Plant e Jimmy Page no Madison Square Garden e Metallica no Giant Stadium, e trazer um laptop de primeira, novinho em folha. Ainda bem que hoje estou em casa, não precisarei enfrentar americano que não entende de futebol nem trânsito maluco. E, claro, espero me manter saudável até o fim da Copa. O sofrimento de torcer já vai ser mais do que suficiente.

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