quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Para quem se aventura a traduzir para uma língua estrangeira

Há algum tempo eu não escrevia sobre tradução, então vamos lá. O que vem a seguir são dois tostões de prosa suscitados por um texto e respectivos comentários publicados no blog do Danilo Nogueira, amigo e colega de profissão (http://www.tradutorprofissional.com/2009/10/terceirization-e.html). O começo é meio abrupto, mas é que primeiro abordei um dos comentários para depois seguir para o texto principal.

Como disse o anônimo, essas traduções de resumo de dissertação ou tese são apenas para cumprir um requisito. Normalmente são feitas pelo próprio autor, de maneira “intercrural”, ou por um amigo que sabe (ou pensa que sabe) um pouco mais de inglês. Não raro a tradução sai porca. Olha, para ser sincero, resumo e currículo são duas das piores coisas que podem aparecer na frente de um tradutor. Sempre procurei me esquivar desses pepinos, mesmo quando estava começando. Mas não era disso que eu queria tratar.

Com relação ao assunto do texto do Danilo, há uma regrinha boa a ser seguida: Verifique se a solução encontrada vem de um texto escrito originalmente naquela língua ou de uma tradução. Se vier de uma tradução, é bem possível que o tradutor que a fez tenha passado pelo mesmo apuro que você está passando. De onde será que ele tirou aquela palavra? Será que era um tradutor competente, confiável? Quem traduziu terceirização por terceirization não tinha a mínima ideia do que estava fazendo. Um bom redator em língua inglesa não escreveria terceirization. É o texto de falantes nativos e bons redatores que você tem que tomar como base para confirmar um palpite.

Mas essa história toda me faz lembrar de um outro “causo”, que costumava citar nas minhas palestras. O sujeito estava lá traduzindo e lhe aparecia o termo fiscalização. Desatento, mandava lá um fiscalization. Pausa no causo. E agora? Será que é parente de terceirization? Numa hora dessas, o sujeito vai ao Google e faz uma busca. Mas por favor, nada de simplesmente digitar fiscalization na página inicial e mandar pau. Selecione direitinho os parâmetros da sua busca. Para verificar se o termo existe na língua inglesa, selecione a língua correta, senão vai vir resultado de tudo quanto é língua. Uma das maneiras é ir à “Pesquisa avançada” e selecionar “Inglês” no campo “Idioma – Exibir páginas escritas em”.

Retomando o causo, nosso tradutor fez sua busca no Google como manda o figurino e encontrou lá milhares e milhares de páginas em língua inglesa com fiscalization. Deu-se por satisfeito e tocou o barco pra frente. Que pena, pulou uma etapa importante. Se tivesse ido além de simplesmente se contentar com o número de páginas resultante da busca e houvesse esmiuçado algumas dessas páginas, teria percebido que havia um problema. A palavra fiscalization existe no inglês, mas tem a ver com a idéia de dar um caráter fiscal a alguma coisa, relacioná-la com tributo, finanças públicas. Ou seja, não tem nada a ver com o significado mais conhecido de fiscalização no português: inspeção, controle, vigilância.

Mas e como é que a gente traduz então essa nossa fiscalização para o inglês? Vai depender do contexto, mas enforcement, palavra pouco lembrada pelos brasileiros que se arriscam a traduzir para o inglês, é uma boa solução em muitos casos. Uma vez eu estava sentado num banco no Washington Square Park, em frente à New York University, e passou uma viatura com “Park Enforcement” escrito na porta. Olha aí! Outro exemplo? Vejo muito nas ruas por aqui uma placa com o limite de velocidade e, embaixo, outra placa com os dizeres “Photo Enforced”. É a nossa fiscalização eletrônica, que, na minha querida Brasília, chamamos singelamente de “pardal”.

P.S.: Após meu comentário, Danilo me avisou que também se usava o termo pardal em outros lugares do Brasil. Bom saber...

Um comentário:

  1. Fiquei pensando depois sobre o título desse artigo e agora não sei se ele foi o mais apropriado. Na verdade, o que eu disse se aplica tanto para quem vai como para quem vem. As línguas de chegada são diferentes, mas o processo é o mesmo.

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