quinta-feira, 12 de junho de 2014

Vai ter Copa

Nem o mais pessimista poderia imaginar que um clima tão ambivalente se abateria sobre o país do futebol num momento como este. Esperamos 64 anos para tornar a organizar uma Copa e agora estamos assim? Alguns revoltados, dispostos a quebrar o pau e tudo mais que vier pela frente. Muitos envergonhados, enrustidos, com medo de assumir que vão torcer pelo Brasil. Quem poderia imaginar? Chega a ser surreal. Mas ainda é hora de darmos um jeito nisso.

O problema é que misturaram futebol, a melhor coisa que já inventaram, como diz um caro amigo, com política, ou melhor, com politicagem, corrupção, safadeza, coisas que poderiam muito bem ter ficado sem ser inventadas. Nesses sete anos desde 2007, vimos os bastidores da organização de uma Copa e tudo de pior que ela enseja. Isso maculou a nossa paixão, nos toldou a visão. Será que deixamos de gostar da Seleção? No fundo, no fundo, acho que não.

O gigante adormecido parece começar a se lembrar de que o futebol está no nosso sangue, de que o jogo de bola é paixão nacional, de que a Seleção, embora menos próxima por seus jogadores desfilarem em gramados que não os nossos, ainda faz parte da nossa cultura, da nossa arte. Na última semana, passei a ver mais bandeiras, mais verde e amarelo, um ou outro carro enfeitado, um comércio aqui e ali exibindo as nossas cores. Mas ainda é um movimento tímido. Parece que deixamos para a última hora até o ato de torcer.

Vejo dois motivos para essa timidez: medo e vergonha. Medo de uma represália mais forte, de ter o seu carro danificado ou o vidro do seu comércio quebrado por quem é radicalmente contra a Copa. Vergonha de aderir a tudo isso de ruim que testemunhamos, de passar uma imagem de que somos a favor de governantes que conduziram tão mal um processo que não poderia ter acabado assim, com as coisas inacabadas. Saibamos separar as coisas. Futebol é uma coisa, política é (deve ser) outra.

Eu sei, estamos meio envergonhados porque vem gente de fora e a casa não ficou pronta a contento. A parede está mal pintada, a mancha de xixi da criança continua no sofá, as cadeiras da sala de jantar estão meio bambas. Agora é tarde. Vamos manter a classe e sermos hospitaleiros. É o que nos resta. Torço para que corra tudo bem. Que os jogos sejam bons, os turistas não saiam daqui muito tosquiados e não haja nenhum acidente nessas obras feitas a toque de caixa. Em outubro, a gente se entende com quem muito prometeu, mas não fez o que deveria ter feito.

Numa crônica recente, o Luis Fernando Verissimo dizia que, em 1970, a torcida contra a Seleção, representante da ditadura militar na ideia de muitos, não resistiu à primeira investida do Jairzinho pela ponta direita contra a zaga adversária. Quando o Neymar abrir pela ponta hoje à tarde e for para dentro do João croata (salve Garrincha!), espero ver o mesmo efeito. Que o Brasil inteiro grite junto no primeiro gol. Não podemos deixar que Blatter, Dilma, Valcke, Lula, Aldo Rebelo nem ninguém estraguem esse momento. Vamos juntos rumo ao hexa!

P.S.: Meu palpite para o jogo de hoje? Brasil 2 x 1 Croácia, um do Fred e um do Paulinho, que tem uma sorte danada e vai fazer um gol na nova casa do ex-clube.

A Copa e o tradutor

Corria o ano de 1998. Era a época da privatização das teles. Haviam montado no setor hoteleiro de Brasília, no prédio da Embratel, os chamados data rooms. Lá, as empresas interessadas em participar do leilão tinham acesso a todas as informações sobre as teles a serem vendidas. Só tinha um detalhe: nem uma folha poderia sair de lá. Então, acotovelavam-se advogados, contadores, intérpretes e tradutores para examinar tudo e depois dizer às respectivas matrizes no estrangeiro se o negócio era bom ou não. Uma colega de São Paulo me avisou que uma agência do Rio estava montando uma equipe para trabalhar lá. Eu me candidatei e entrei. Era o começo de uma aventura.

Nesse meio tempo, vivíamos a expectativa da Copa da França. O Brasil faria a partida de abertura do torneio contra a Escócia. No dia, fomos lá conversar com o nosso “feitor” para saber a que horas ele nos liberaria para irmos ver o jogo. O sujeito era americano, não fazia a mínima ideia da importância da ocasião e disse que ninguém sairia para ver jogo algum. Depois de muita conversa, conseguimos que ele nos deixasse sair uma hora antes da partida… mas com a condição de retornarmos uma hora depois do apito final. Melhor do que nada. Eu nem imaginava o trânsito que pegaria para chegar à casa da minha cunhada no Lago Sul. Parte da Avenida das Nações era estreitinha naquela época, não era como é hoje. Foi uma correria louca, quase não chego. Mas tudo bem: vitória do Brasil por 2 x 1 e lá foi todo o mundo comemorar enquanto eu, resignado, voltava ao trabalho.

E prosseguiram a Copa e as traduções nos data rooms. Era dureza, mas tive a felicidade de fazer amizade com um advogado de um grande escritório e isso logo me rendeu frutos. Na última semana da primeira fase, esse advogado me disse que tinha muito serviço de tradução e me perguntou se eu não queria dar uma passada lá no escritório deles para dar cabo disso. Ora se não! No sábado das quartas de final contra o Chile, lá fomos nós. Nós? Sim, eu, de camisa do Brasil (contrariando a recomendação de usar terno e gravata ao visitar um cliente) e um grande parceiro de muitos trabalhos na faculdade, muitas latas de marrom glacê e muitas sessões de Need for Speed antes de trabalhar. Saímos de lá carregados, com serviço para o resto da Copa.

Chegando em casa, transferi meu escritório para a sala, onde estava o TV grande que eu e minha mãe havíamos comprado quatro anos antes para ver o tetra. Computador na mesa de jantar e pau na máquina. Naquela tarde, enquanto trabalhava, vi o Brasil de Ronaldo e Rivaldo atropelar o Chile de Zamorano e Salas. Mas eu não tinha ideia do que estava por vir. Adoeci, peguei o maldito rotavírus. Foi um sofrimento só. Sofria com a Seleção (aquele jogo com a Holanda!), com o trabalho e com as dores no corpo, o febrão e as constantes idas ao banheiro (quem já teve sabe do suplício). As idas foram tantas que tive de comprar até uma boia, daquelas redondas com um buraco no meio, para poder sentar e trabalhar. O show não podia parar.

E veio a final. Acho que o fato de estar tão envolvido com o trabalho acabou sendo positivo. Estava tão lesado que não dei tanta bola para aquele acachapante 3 x 0. Felizmente, estava terminando o serviço e, no dia seguinte, viajaria para esquecer aquilo tudo. Foi uma batalha, mas consegui juntar dinheiro suficiente para dar um giro em Nova Iorque, com direito a Robert Plant e Jimmy Page no Madison Square Garden e Metallica no Giant Stadium, e trazer um laptop de primeira, novinho em folha. Ainda bem que hoje estou em casa, não precisarei enfrentar americano que não entende de futebol nem trânsito maluco. E, claro, espero me manter saudável até o fim da Copa. O sofrimento de torcer já vai ser mais do que suficiente.

Farão falta

Honestamente, tenho me emocionado muito nos últimos dias ao pensar no desprendimento e humildade da nossa “presidenta” Dilma e do nosso ex-presidente Lula. Se oportunistas fossem, poderiam muito bem se aproveitar do evento de hoje à tarde no Itaquerão para se jactarem de terem organizado, com tamanha competência, evento tão grandioso: a Copa das Copas. Sim, graças ao esforço dos dois e de suas equipes, tudo — estádios, aeroportos, obras de mobilidade urbana (transportes?) — ficou pronto dentro do prazo e, mais importante, pouco se gastou. Mas Lula e Dilma não vão aparecer no estádio, não querem os holofotes. Para que roubar as atenções? O trabalho está feito. Hoje é a vez dos meninos que vão entrar em campo envergando a camisa amarelinha. Eu realmente me emociono e, com os olhos cheios de suor, penso: Oxalá Deus dê saúde e vida longa a esses dois grandes estadistas para que se alternem no poder e governem o Salvelindo por décadas e décadas.