quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A remuneração dos tradutores

Há algumas semanas, estou com um texto no forno sobre esse assunto, que sempre provoca muita discussão e causa bastante polêmica. Outros compromissos, como trabalho e a participação como palestrante num evento de tradução em São Paulo não me permitiram concluí-lo antes, mas nada como um empurrãozinho para fazer você terminar um texto. Logo mais à noite, o colega e amigo Danilo Nogueira discutirá esse mesmo assunto na já tradicional reunião da Sala 7 (com repeteco no sábado). Como acredito que nós dois pensamos de forma muito semelhante sobre esse tema, é melhor publicar logo as minhas opiniões para depois não ser acusado de estar me aproveitando das ideias dele.

Há algumas semanas um comentário meu no Twitter suscitou uma breve discussão entre colegas tradutores sobre remuneração. Fiz esse comentário após ler o tweet do colega João Roque Dias, tradutor técnico português, que dizia o seguinte: “No Peanuts! for Translators: If You Are Not a Monkey, Stop Working for Peanuts: http://bit.ly/bLyagj Read and Retweet!” A ideia é que os tradutores não devem aceitar trabalhar por mixaria. Tenho comigo que circular essas mensagens para que os tradutores, ou outros profissionais, não trabalhem por mixaria é fácil. Definir o que é mixaria é que são elas.

Eis o principal problema quando se discute remuneração de tradutores. Ora, a mixaria para um pode ser o suficiente para pagar as contas do outro e manter o cobrador afastado. Fazendo um paralelo com o que dizia o folclórico Dadá Maravilha (“Não existe gol feio, feio é não fazer gol”), costumo dizer que mais feio do que trabalhar por pouco é não ter com que pagar as contas. Isto sim é um problema. Cada um sabe das suas contas, das suas dívidas, de onde o calo aperta, e ninguém deve dizer ao outro que não deve trabalhar por x ou por y reais ou dólares. Mas alguns aspectos precisam ser relevados nessa discussão.

Vamos supor que o tradutor A cobre x centavos por palavra e o tradutor B cobre x + 3 centavos. Quem ganha mais? Depende. O tradutor A pode simplesmente digitar mais rápido e produzir um número de palavras suficiente para lhe garantir um rendimento maior. Ou talvez ele seja desleixado e não pesquise o suficiente, preferindo simplesmente adotar a primeira solução que lhe vem à cabeça. Por outro lado, ele pode ser melhor tradutor ou receber trabalhos que consegue fazer bem e com facilidade, sem precisar parar a toda hora para consultar o dicionário. Cada caso é um caso.

Outro ponto que deve ser levantado diz respeito a criticar quem trabalha por pouco. Cuidado, pois é fácil cometer injustiças. Há quem trabalhe por pouco por desconhecimento do mercado, por não saber que há quem pague bem por traduções bem feitas e que a qualidade do seu trabalho poderia ser mais bem remunerada. Há quem tenha medo de aumentar seus preços e ver seus clientes irem atrás de quem cobre menos. Na minha opinião, dois tipos de tradutores merecem crítica. Um é o que traduz de graça, por diletantismo e de forma pouco profissional, se esquecendo de que muitos traduzem para garantir o pão de cada dia. O outro é o que faz dumping, ou seja, cobra pouco para derrubar os concorrentes. Este presta um desserviço à profissão e não nos ajuda em nada.

Mas então o que fazer para que todos os tradutores recebam uma remuneração justa? Vamos tabelar! Nem pensar. Isso dá bode ao sul e ao norte do Equador. Quem já foi a um congresso da ATA, a Associação Americana de Tradutores, sabe que esse assunto não se discute lá. Chegue numa rodinha e pergunte quando este ou aquele cobra. Você vai ficar falando sozinho. Aqui no Brasil, o Sintra, o Sindicato Nacional dos Tradutores, é polo passivo numa ação iniciada pela Secretaria de Direito Econômico por causa da sua “lista de valores de referência praticados”. Ou seja, lá ou cá, estabelecer preços não dá certo.

O caminho é buscar sempre aumentar seus preços e procurar trabalhar com clientes que pagam mais. Isso me remete a um artigo que li recentemente que falava em price makers e price takers, ou seja quem dita e quem aceita os preços. Segundo a autora, você tem que ditar os preços. Claro, isso é muito mais fácil na teoria do que na prática. Se você está numa situação financeira confortável, tem outras fontes de renda, seu cônjuge ganha bem, é mais fácil fazer finca-pé e exigir mais. Mas se esse não é o seu caso e, sobretudo, se você está começando na profissão, o mais provável é que o mercado, ou seja, os clientes ditem os preços.

Que tal um exemplo da vida real? Na semana passada, mantive contato com um possível cliente que me ofereceu um pagamento que provavelmente não chegaria a um quinto do que meus melhores clientes me pagariam. Como você reagiria? Nada de espinafrar o cliente. Não sabemos o dia de amanhã. Na época das vacas magras, talvez esse cliente possa me salvar. Ainda não discuti preços com ele, mas vou chegar lá, vou mostrar meu pedigree e tentar aumentar o valor por palavra. Se não conseguir, nada de ser descortês. A melhor resposta que posso dar a eles é simplesmente ir trabalhar para outro cliente que pague mais.

Para encerrar, se você consegue cobrar alto dos seus clientes, regozije-se, mas não critique o outro que ganha menos. Em vez de perdermos tempo criticando, devemos buscar aumentar nossos preços, o que ajudará a melhorar a qualidade do mercado como um todo e ajudará os demais tradutores. Se você acha que está ganhando pouco, se aperfeiçoe e busque clientes melhores. No imenso mercado de tradução, ainda há quem procure qualidade e não apenas o menor preço. E não se esqueça: a mixaria para você é o feijão com arroz na mesa do outro. Sejamos humildes e trabalhemos para melhorar as condições para todos.

6 comentários:

  1. Temos posições muito próximas, sim. Gostaria de sublinhar um aspecto onde estamos nós dois de acordo e muitos colegas discordam de nós: a história de não espinafrar quem oferece pouco.

    Acho curioso ver colegas que inclusive postam nas listas de discussão as mensagens iradas que mandam a quem lhes oferece serviço que consideram mal pago.

    "Muito obrigado, mas a minha taxa mínima é X" e acabou a história.

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  2. Enfiando o nariz... delírios

    Eu vejo uma falta de união entre os tradutores.
    Por que não falar de preços sugeridos se em outras profissões existe isso?

    No mundo todo se cobra por palavras e só no Brasil, por lauda. Quem está preocupado com isso? Como é que pode ter tradutor que ainda não sabe como cobrar, por lauda ou por palavra? Vamos mudar para “palavras” como acontece no mundo todo? Cadê a organização de tradutores preocupada com isso? Parece bobo, será bobo mesmo? Será que pensam assim os países que hoje em dia exportam tradução, por assim dizer? (Argentina entre eles)

    Tradutores novatos cobrando barato? Estagiários ganhando pouco porque não tem experiência? Pagando para aprender? Porque um novato não poderia cobrar preço cheiro e usar os serviços de um colega como revisor? Quem orienta os estudantes? Quais são os tradutores comprometidos com a profissão? Tivemos um maravilhoso evento agora pouco em SP, onde vi rostos quase todos conhecidos, de colegas que conheço pessoalmente ou virtualmente, mas estudantes de faculdades, novatos?

    Acho que precisamos uma mudança geral e em união, sem que os tradutores da mesma língua se enxerguem como verdadeiros parceiros e não como concorrentes.

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  3. Só gostaria de acrescentar, que meu comentário não é uma critica, mas sim, uma simples reflexão convidativa aos colegas.

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  4. Corrigindo:
    Diz: cobrar preço cheiro.
    Deveria dizer: preço cheio.
    Desculpem maiores erros. (escrevi na correria)

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  5. Corrigindo:
    Diz: SEM que os tradutores da mesma língua se enxerguem como verdadeiros parceiros e não como concorrentes.
    Deveria dizer: ONDE os tradutores da mesma língua se enxerguem como verdadeiros parceiros e não como concorrentes.

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  6. Víctor, os seus comentários merecem uma resposta mais detida, que, infelizmente, não posso redigir agora. Mas me aguarde que eu chego lá. Obrigado pela visita e volte sempre.

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