sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A remuneração dos tradutores e outras coisinhas afins

Caro leitor, este artigo está, digamos assim, um tantinho desestruturado. O que era para ser apenas respostas breves aos comentários feitos pelo colega Víctor Gonzales sobre o texto “A remuneração dos tradutores”, acabou ficando maior do que eu esperava. Assim, em vez de simplesmente dar minha resposta no campo para comentários daquele artigo, resolvi juntar os parágrafos abaixo e publicá-los como um novo texto. Além disso, minhas respostas abordam vários pontos importantes que teriam menos visibilidade se aparecessem apenas como um comentário. Então vamos a elas.

Será que a falta de união é exclusiva dos tradutores? Provavelmente não. Acredito que, em todas as profissões, vai haver um puxando o tapete do outro, um querendo roubar o cliente do outro, defender seu território. Será que se fala de preços em outras profissões tanto assim quanto se pensa? Para falar a verdade, não sei. Mas não consigo imaginar médicos se reunindo num simpósio e discutindo quanto devem cobrar por uma consulta ou escritórios de advocacia se consultando para saber quanto devem cobrar de honorários.

Cobrar por palavra, lauda, caractere (com ou sem espaço), peso, baciada, metro... Tanto faz. É apenas uma convenção. Para ser sincero, acho que saímos perdendo nessa história. Eu preferiria pegar o original, avaliar a dificuldade, estimar o tempo que vou levar para fazer o serviço e dar um preço fechado. Menos transparente? Por quê? Vamos supor que você contrate um pedreiro para construir um muro em volta da sua casa. Você o acusaria de pouco transparente se ele não te cobrasse pelo número de tijolos? Não acho que as diferentes formas de cobrança de um serviço de tradução sejam empecilho. O subjetivismo talvez seja o mesmo quando se compara um médico que cobra 150 reais e outro que cobra 300 reais por consulta.

No que diz respeito a novatos cobrarem barato, muita calma nessa hora. Coloque-se no lugar de um novato. Ao iniciar na profissão, quem tem peito para já sair cobrando caro? Você pode até entrar no mercado com seu preço lá em cima, mas quem vai decidir se aquele preço é cabível, não é você; são os clientes. Às vezes cola, mas é mais provável que você vá ouvir dos clientes que ainda está muito verde para cobrar aquilo tudo. Quanto a se valer de um revisor, lembre-se de que você precisa pagar pelo serviço dele e isso pode acabar reduzindo demais a sua margem de lucro. Você pode também trabalhar junto com um colega e um revisar o trabalho do outro, mas vão ter que dividir o que ganharem.

Os estudantes de tradução devem adotar uma postura mais ativa. Não podem esperar que as coisas vão ser dadas de mão beijada. Tem que correr atrás, se informar, ir a palestras e congressos, participar de listas de discussão, grupos virtuais, redes sociais. Isso tudo ajuda a entender como funciona a profissão e o mercado e dá visibilidade a quem está começando. Não sei lhe dizer exatamente por que havia poucos estudantes no evento do ProZ, mas não o tome como regra. Frequento eventos como esse desde 1998 e os estudantes sempre comparecem. Normalmente, são presença mais forte em eventos organizados por instituições de ensino, mas também vão aos mais voltados para tradutores.

Quanto ao problema de os tradutores da mesma língua se enxergarem como verdadeiros parceiros e não como concorrentes, é difícil separar as duas coisas, sobretudo no caso dos que ainda não se firmaram no mercado. Todos os tradutores que trabalham com a mesma língua que eu são meus concorrentes, claro, mas, acima de tudo, são parceiros e possíveis fontes de serviço. Nós somos de carne e osso e nosso dia tem apenas 24 horas. É mais comum do que alguns imaginam ver-se em situações em que é impossível dar cabo do serviço sozinho. Da mesma forma que isso ocorre com você, também ocorre com um colega, que pode lhe pedir socorro. É preciso apenas que você esteja preparado para ajudar quando esse pedido chegar.

Em minha palestra no evento do ProZ, há duas semanas, falei sobre essa questão dos pares. Admiti que é mais difícil ser recomendado por um colega que traduz para a mesma língua que a nossa, mas não é impossível. Eu, por exemplo, vou passar o nome de uma colega que estava lá no ProZ para um cliente meu. Ela se encaixa bem no perfil de tradutor de que eles precisam. Claro, vou recomendá-la porque ela me parece ser uma pessoa séria e competente. Se eu não tivesse essa percepção, não a recomendaria. Afinal, a minha reputação está em jogo também quando indico alguém. E tampouco se esqueça de que, não raro, recomendações vêm de colegas especializados em áreas que não a sua e de tradutores que trabalham com outras línguas.

4 comentários:

  1. Caro João...acompanhando o rico assunto abordado:

    Mas não consigo imaginar médicos se reunindo num simpósio e discutindo quanto devem cobrar por uma consulta ou escritórios de advocacia se consultando para saber quanto devem cobrar de honorários?
    Eu também não, mas muitas profissões tem entidades representativas com preços sugeridos como:

    Sindicato dos Contabilistas de Porto Alegre
    http://www.sindicatodoscontabilistas.org.br/index.php?module=pagemaster&PAGE_user_op=view_page&PAGE_id=92&MMN_position=258:258

    Sindicatos dos Jornalistas Profissionais de São Paulo
    http://www.sjsp.org.br/

    Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Paraná
    http://www.sindijorpr.org.br/?eid=71&system=news

    Nós temos uma lista de preços sugeridos no Sindicato dos Tradutores que estão tentando tirar do ar, mas ninguém está preocupado com isso, Todo e qualquer preço sugerido pode não se levar a risca no mercado, mas serve cumprindo sua própria função: referência.

    Cobrar por palavra, lauda, caracteres (com ou sem espaço), peso, baciada, metro... Tanto faz.
    Não acredito no “tanto faz” porque sempre temos medidas e parâmetros... para a formação de preços, já vimos problemas quando o pão mudou sua venda, de pão por unidade para pão por quilo. Problema que atingiu tanto padeiros como consumidores.

    Não acho que as diferentes formas de cobrança de um serviço de tradução sejam empecilho. Podem não ser um empecilho, mas facilitam o comércio.

    Coloque-se no lugar de um novato. Ao iniciar na profissão, quem tem peito para já sair cobrando caro?
    Isto vai depender da formação do novo tradutor, hoje em São Paulo por exemplo, temos muito poucas faculdades oferecendo ensino na área de tradução. Muitos dos tradutores que temos no mercado, são fruto da experiência. No entanto, em carreiras como engenharia, TI, é diferente.


    Os estudantes de tradução devem adotar uma postura mais ativa. Não podem esperar que as coisas vão ser dadas de mão beijada. Tem que correr atrás, se informar, ir a palestras e congressos, participar de listas de discussão, grupos virtuais, redes sociais. Concordo plenamente com você.

    Com respeito as recomendações, concordo também plenanente com você, tanto é que, as muitas indicações que recebi, foram de colegas que trabalham com outros pares de línguas.

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  2. Sim, Víctor, a nossa profissão também tem uma entidade representativa com preços sugeridos, como mencionei no meu texto. Serve como referência, mas a tabela parece ser ilegal, ao menos à luz do processo instaurado pela Secretaria de Direito Econômico contra o Sintra. Mas há uma grande distância entre a entidade de classe sugerir valores e os profissionais discutirem abertamente seus preços, sobretudo entre si.

    Tanto faz no sentido de que é apenas uma convenção. Antigamente, convencionou-se cobrar tradução por lauda. O problema é que se trata de uma convenção pouco exata e extremamente variável. Existem laudas dos mais diversos tamanhos: 1000, 1100, 1250, 1500, 1800 caracteres. Só atrapalha, pois não permite uma comparação entre tradutores. O seu preço pode ser mais alto do que o meu, mas a minha lauda pode ser maior. Tem que fazer a regra de três e ver quem oferece mais por menos.

    Palavra tampouco ajuda. Se eu e você cobramos por palavra, até aí tudo bem. Mas e se você cobra por palavras do original (inglês) e eu cobro por palavras do texto de chegada (português)? Eu ganharia mais que você. Um PowerPoint pode dar bem mais trabalho do que um texto corrido no Word com o mesmo número de palavras. Deveriam ter preços diferentes? Eu acho que sim. Há textos que envolvem um trabalho bem maior de criação (o que andam chamando lá fora de transcreation). Se te pedirem para traduzir dez slogans para serem usados numa campanha no Brasil, você vai cobrar por palavra? Nem pense nisso. Isso aí não é tradução, é outra coisa. Pra mim, o que facilita o comércio é o preço fechado. O cliente quer saber quanto vai sair do bolso dele.

    Nos Estados Unidos, a gasolina me era cobrada por galão. Aqui, me cobram por litro. Se eu chegar no posto amanhã e o cara me disser que agora o preço do combustível é x reais por lata de óleo cheia, vai fazer grande diferença? Não, não vai. A única coisa que eu vou querer saber é se vou estar pagando mais ou menos para encher o tanque. No fim das contas, o que interessa é o total a ser recebido/desembolsado.

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  3. Pois é, esse negócio de laudas é muito complicado, cada um tem a sua, sem contar com os clientes que já tem seu padrão de lauda.

    Com respeito às palavras sempre considero que o melhor é contar a partir das palavras de origem, já que baseados nisso é que vamos passar o nosso orçamento. Preço fechado pode servir sim, dependendo do serviço, acho que cada caso é um caso e as exceções, são exceções. Com respeito à formatação eu diria que fazem parte de outro serviço que é editoração ou diagramação. Serviço plus que pode ser oferecido ao cliente.

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