sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Flertando com o socialismo ao norte e ao sul do equador

O assunto mais debatido nas últimas semanas aqui nos EUA é a possível estatização (nationalization, em inglês) dos grandes bancos do país que estão à beira da bancarrota (fiquei com vontade de pôr a vírgula e transformar a locução de restritiva para explicativa, pois acho que não há grande banco que se salve). O tema da estatização não sai das páginas de economia dos jornais e discute-se até a definição exata do termo.

Alguns alegam que, para se configurar uma estatização, o Estado precisaria, ao mesmo tempo, ser dono da empresa, tocar os negócios no dia-a-dia e planejar mantê-la sob o seu controle por um bom tempo. Outros dizem que qualquer forma de participação do governo no capital de uma empresa já constitui uma estatização. Outros ainda apontam que seria necessário deter 51% do capital. Um dado interessante é que as normais contábeis obrigam o governo a incluir no seu balanço qualquer empresa da qual tenha mais de 80% das ações. Foi por isso que, ao salvar a seguradora AIG e as gigantes do setor imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac, o governo americano assumiu o controle de 79,9% dessas empresas.

A Suécia estatizou temporariamente seus bancos no início dos anos 90 para debelar uma crise e obteve bastante êxito. Mas uma estatização, ainda que temporária, seria inaceitável para maioria da população nos EUA, pois fere os princípios do capitalismo. Assim, o governo Obama vem tentando de todas as maneiras evitar que o resgate dos grandes bancos seja feito dessa forma. Não quer de jeito nenhum o indesejado rótulo de socialista. Mas parece não haver saída.

Não resta dúvida de que os bancos precisam ser capitalizados. O povo não quer ver o Estado entregar bilhões de mão beijada aos banqueiros. O governo alega que a ajuda está sendo prestada na forma de reservas de capital. Aos olhos dos investidores, a ajuda não é capital mas sim um empréstimo que o governo vai cobrar num futuro não muito distante. A solução seria converter esse investimento público em ações ordinárias, mas aí configura-se a estatização. No fim das contas, tudo vai depender de os investidores decidirem se vale a pena voltar a investir nos bancos.

Enquanto isso, no Brasil, o governo Lula esbravejava na semana passada contra as demissões na Embraer. O presidente chegou a dizer que estava indignado com o fato. Em janeiro, o Ministro do Trabalho, Carlos Lupi, já havia pressionado as montadoras por haverem demitido funcionários.

Desde o seu primeiro mandato, Lula é elogiado nos quatro cantos do mundo por ter, contra as expectativas, adotado uma política econômica responsável, pautada pela austeridade no trato das contas públicas e voltada para o mercado. Mas vez ou outra se percebe que o Lula vermelho, socialista, aquele da porta da fábrica no ABC, continua vivo, embora reprimido.

Não cabe ao governo reclamar desta ou daquela empresa porque afastou funcionários. Não é o papel dele. Isso não tem lugar no jogo econômico (sim, jogo, para usar uma imagem bem cara ao nosso presidente). Ao governo compete, na verdade, criar as condições para que se gerem empregos.

O contraste com o que se vê aqui nos EUA é gritante. Na atual recessão, que deprime com muito mais força a economia americana do que a brasileira, quase todos os dias se lê no caderno de economia dos jornais que uma empresa demitiu funcionários. O governo daqui não costuma ir à imprensa repreender empresários por isso. Demissões são um fenômeno normal. Ora, o ciclo econômico é feito de altos e baixos. Quando passar a recessão, voltam as contratações.

Nota: Havia concluído este artigo antes de tomar conhecimento, pelo G1, que as demissões na Embraer haviam sido suspensas pelo TRT de São Paulo. Não acho que isso seja salutar. O Executivo reclama, o Judiciário toma uma medida dessas. Isso cria um ambiente desfavorável aos negócios. Manter uma empresa e ter que tolerar a ingerência desta ou daquela autoridade na forma como toco meus negócios? De jeito nenhum. Cada um sabe do seu fluxo de caixa e onde o sapato aperta. Num arrocho financeiro, a patroa dispensa a empregada e, de duas uma, vai ela mesma fazer a faxina ou aprende a viver numa casa não tão limpa. Ela se apieda da pobre serviçal? Sim, mas não a ponto de sacrificar o seu próprio bolso. É uma ilustração simples, porém clara, de uma das leis básicas que regem as contratações e demissões em todos os níveis.

2 comentários:

  1. Concordo com você, mas espero que na hora que a EMBRAER precisar de dinheiro o BNDS empreste com juros de mercado, isto é, sem refresco, afinal de contas quer atuar como empresa privada viva como uma.

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  2. Marcelinho Viana, você quer dizer então que quem demite é empresa privada? Olha, um dia acaba a estabilidade no setor público e aí aumenta a eficiência. Mas isso ainda vai levar tempo. Quanto aos empréstimos do BNDES (um banco estatal, não se esqueça), quem decide a taxa de juros é o próprio banco. Quando é do interesse do governo, os juros são realmente de pai pra filho. A Petrobras vai investir uma fábula nos próximos anos e uma boa parte dos recursos vem do BNDES. Ainda bem, pois o mercado não está pra peixe.

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